Jean-Claude Rodet
Saint Vérand (Rhöne), 1944 - Idanha-a-Nova, 2025
Algumas momentos, alguns textos.
(Algumas das imagens estão com defeitos, porque a recolha não foi feita considerando a publicação).
Algum do conteúdo de "Raízes da Agricultura Biológica" sobre Jean-Claude Rodet.
- Mercado de agricultores em Grézieu-la-Varenne. Em 1973, por iniciativa de Jean-Claude Rodet, que irá marcar o arranque do movimento em Portugal na década seguinte, surge o primeiro mercado semanal de produtores biológicos, em Grézieu-la-Varenne. Rodet é um dos técnicos com formação de conselheiro da equipa de Lemaire-Boucher, com a escola da permanente resolução dos problemas dos agricultores que Lemaire defendia. Um destes problemas, comum a outras zonas de França, era a comercialização e disponibilização como biológicos dos produtos obtidos. O mercado, a pouco mais de uma dezena de quilómetros do centro de Lyon, rapidamente é um êxito. É aqui que conhece algumas das pessoas que o trazem a Portugal, como Fernando Lopes, Pedro Olivais, João dos Santos Júnior e alguns outros.
- École d’Agrobiologie de Beaujeu. Em 1983 é fundada a “École d’Agrobiologie de Beaujeu”, criada por Suzanne e Victor Michon. Rodet é um dos professores convidados, tal como Claude Bourguignon, Gérard Ducerf, Roger Durand, Xavier Florin, Lydia Bourguignon, Emilia Hazelip, Max Léglise, Olivier Pichaud, Jean-Claude Poëncet, Pierre Rabhi, entre muitos outros.
- No Jornal Via Macrobiótica, de Julho de 1979, há um anúncio da “Semana da Agricultura Biológica”, a realizar de 1 a 8 de Agosto de 1979, com um “Seminário teórico e prático dirigido por dois dos homens mais experimentados e sabedores de agrobiologia – Jean-Claude Rodet e Pedro Olivais”. Rodet é descrito como “Agrónomo, investigador e difusor das técnicas de agr. biológica; criador dum mercado de produtos biológicos; Director municipal para a agric. biológica: Autor do Livro ‘Nós não podemos mais ignorar a agr. Biológica’; e animador de numerosas actividades agrícolas e ecológicas”. JCR disse que não terá participado.
- Em 1978 publica em França o livro "L'Agriculture Biologique (vous ne pouvez plus ignorez)", com um capítulo sobre sobre “vacinações animais” que o editor, um médico, recusou a publicação. Este capítulo acabou por ser publicado de forma autónoma pela editora, com uma indicação na capa de “Sobre temas quentes... algumas páginas proibidas” e a advertência aos leitores que “Os textos contidos neste fascículo são da inteira responsabilidade do autor”. Na sequência, o livro acabou por ter uma promoção extra.
- Na sequência da publicação do livro, João dos Santos Júnior, da Diese, convida Jean-Claude Rodet para uma Conferência em Portugal, em 1978. O prédio da Diese, na Av. da República, em Lisboa, era também a sede da ITAU, de Júlio Roberto, que assim conheceu Rodet e promoveu a publicação (que sai em 1980) com o título “A Agricultura Biológica”. Na mesma altura conhece D. Duarte Nuno de Bragança, que o apresentou ao Arq.º Gonçalo Ribeiro Telles, que o convida para, em 1979, proferir uma outra conferência para alunos e agricultores na Universidade de Évora sobre “Agricultura biológica e qualidade dos alimentos”.
- O livro foi referenciado em alguns jornais e revistas e teve uma apresentação pública, promovida pela ITAU e pela Associação “Amigos da Terra” na Biblioteca Nacional, a 4 de Agosto de 1980, onde Júlio Roberto classifica Rodet como "um homem raro".
- No último fim de semana de Julho e no primeiro de Agosto, as duas organizações promoveram na Quinta “Casal do Manel”, na Venda do Pinheiro, de que era igualmente proprietário Júlio Roberto e onde não eram usados químicos, umas Jornadas de agricultura biológica com temas como a comparação entre a “Agrobiologia e a Agroquímica, o solo, o composto, adubos, influências cósmicas, rotações, protecção de culturas, criação bio, e realizações e projectos em Portugal”, que tiveram Jean-Claude Rodet como figura central e palestrante. Uma notícia sobre esta apresentação pública surge na Gazeta das Caldas, de 10 de Setembro, com uma pequena entrevista a Rodet, que é apresentado como alguém que se impõe “pela sabedoria, modéstia e gosto de divulgar seus conhecimentos”.
- A 27 de Abril de 1981, a convite de Fernando Lopes, vem novamente a Portugal e faz uma apresentação sobre agricultura biológica para agricultores, na Casa da Cultura de Mirandela, em que estiveram cerca de 20 produtores. Na cartaz de apresentação diz-se que “A iniciativa parte dum grupo de transmontanos, amigos da sua terra, que desejam vê-la promovida e devidamente valorizada, aproveitando inteligentemente os seus maravilhosos recursos naturais, conservando as características próprias dos seus produtos, e abrindo a estes caminhos novos para mercados de qualidade”.
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Em Maio de 1982 o ‘Diário de Lisboa’ publica uma entrevista de uma página com Rodet, agora já “instalado em Portugal”, sob o título “A grande revolução da agro-biologia consiste em tornar o agricultor independente”. Chama a atenção para a forma de produção de cereais no Alentejo e para o rendimento que é dos mais baixos da Europa, mas “se forem introduzidas técnicas biológicas de rotação e adubos verdes, poderão obter-se resultados muito, muito superiores e interessantes”.
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Em Março de 1983 a UNIMAVE promove um colóquio sobre agricultura biológica com Jean-Claude Rodet e Pedro Olivais em Lisboa, e a Universidade de Évora, departamento de Ecologia, convida Jean-Claude Rodet, para um Seminário de 7 a 9 de Junho, com uma aula extra para os alunos da disciplina de “Agricultura comparada”.
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Pela mão de Luís Fiipe C. Marques e João Santos (alunos na Escola da Paiã) Rodet é convidado para uma palestra em Lisboa, mas em vez da realização de um evento falado inicialmente, houve a programação de 4 sessões, a primeira a 2 de Maio, para os alunos e professores da Escola da Paiã. Esta palestra foi noticiada no Boletim da Escola “O Cortiço” enquadrada por uma excerto do livro de Claude Aubert “A Industrialização da Agricultura, Salvação ou Suicídio da Humanidade?”.
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No dia 4 de Maio, com organização do P.A.N., decorreu na Sala de Actos do Instituto Superior de Agronomia, o debate “Agricultura Actual e Alternativas” com moderação do Prof. António Lopes Aleixo e a participação dos Professores Pedro Amaro, Pedro Lynce de Faria, Quelhas dos Santos e ainda de Vítor Quelhas, na qualidade de produtor biológico, e na qual estiveram presentes vários outros professores do Instituto, alunos e mais interessados. Debateu-se acaloradamente. a visão da agricultura biológica e a sua aplicabilidade no futuro da agricultura, com as principais críticas associadas ao uso de práticas não científicas, que significariam um retroceder na evolução técnica e um retrocesso para uma agricultura primitiva, mas Rodet explicava que era a utilização de algumas técnicas tradicionais melhoradas, a olhar para a frente com cuidado e preocupação com a natureza.
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Os outros eventos decorreram no formato de conferência, com indicação de organização pelo Grupo de Agricultura e Alimentação, na Sociedade Portuguesa de Naturalogia, a 5 de Maio, e o último, também em Lisboa, em “A Espiral", este numa sala mais pequena, ambos em francês, com tradução para português de Vítor Quelhas.
- Em sequência foi combinado um seminário teórico-prático, em Lisboa e na Quinta da Boavista em Vale de Santarém, que se veio a realizar a 5, 6 e 7 de Outubro de 1984, com a participação de 47 pessoas. Na componente prática foi explicada a forma de preparação e evolução de uma pilha de composto, que tinha sido preparada com base em algas.
- A 23, 24 e 25 Outubro, a Escola Superior Agrária de Coimbra organiza um mini-curso para os alunos do 3º ano, com um programa idêntico ao do Seminário de Lisboa.
- Nos seminários anteriores também foram referenciados interessados no que viria a ser uma futura associação que desenvolvesse a agricultura biológica em Portugal, que teve como principais promotores Rodet, Furtado Mateus, António Pena Gaspar e João Cruz Alves, que se iam reunindo em “A Espiral”, mas também em casa dos principais intervenientes desta fase.
- Das reuniões e do trabalho de base, a que se juntou Luis Filipe C. Marques e Jorge Ferreira, realizou-se a 3 de Fevereiro de 1985 a reunião de constituição da A.P.A.B. - Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, mais tarde designada por Agrobio, de que Jean-Claude e Francine, ficaram com o número 1 de sócios.
- O trabalho desenvolvido desde Fevereiro de 1985 até ao início de 1987, quando sai da associação e vai para o Canadá, está bem espelhado no texto de Ângelo Rocha e Manuela Santos, que se publica mais abaixo.
- Posteriormente veio algumas vezes a Portugal, para formações diversas, nomeadamente de pecuária biológica (1996, 2002), até que regressou definitivamente em 2015.
- Em 2017, Jean-Claude e Francine Fleury, instalam-se definitivamente em Idanha-a-Nova e, com o apoio do Município fundam o Centro Documental Raiano com o objectivo de partilhar recursos e soluções para resolver problemas societais; promover e apoiar projetos de desenvolvimento sustentável; dinamizar ações de formação no campo da agricultura e da pecuária; promover uma alimentação saudável junto de escolas e coletividades; valorizar as tradições locais para construção de um futuro melhor. Trata-se de importante acervo recolhido durante toda a vida profissional, que tem hoje mais de 20.000 mil livros, 300 colecções de revistas e alguns milhares de documentos, classificados em mais 600 temáticas, nas áreas do ambiente, ecologia, agricultura biológica e biodinâmica, saúde natural, botânica, nutrição, espiritualidade, entre muitas outras, e que continua a ser aumentada por arquivos e documentos que recebe.
Menções a Jean-Claude Rodet na secção "Retratos" do livro "Raizes da Agricultura Biológica"
- Pedro Olivais.
Arroz Biológico. 1978
(...) O problema mais grave (*) foi superar a existência natural de um pequeno verme minúsculo, de cor vermelha, que necessitava na sua fase de reprodução de cobre, indo procurá-lo na radícula do arroz germinado, destruindo a capacidade de desenvolvimento da semente, e prejudicando o enraizamento e a quantidade produzida por hectare. Na cultura clássica este verme era controlado pela utilização de malatião, ou similar , poderoso e perigoso inseticida líquido.
O controlo deste pequeno verme após observação do respectivo comportamento no terreno, e com a participação do Eng.º Rodet que potenciou a análise em França deste verme, foi levantada a possibilidade de controlo do referido verme, pela duplicação da quantidade de sementeira por hectare e assim foi ultrapassado o problema, e foi poupada grande quantidade de semente pré chumbada (termo que é utilizado na saturação do grão de arroz para afundar aquando da sementeira) que enraizou. (...)
(*) - da produção de arroz biológico na Cooperativa Soldado Luís, em terras ocupadas a seguir ao 25 de Abril, em Alcácer.
- Guilhermina Alves e Paul Nielsen
Uma conversa. Um sonho antigo. E quatro mãos cheias de nada....
Foi no longínquo ano de 1977 que nos conhecemos. Uns meses depois, começamos a fazer projectos de vida comum.
Ambos adorávamos o contacto com a natureza e queríamos ter uma alimentação saudável. Os sabores da nossa infância e a consciência da quantidade de agrotóxicos, que já se utilizavam mesmo na pequena agricultura, levou-nos a decidir fazer comida sem venenos.
Começamos a investigar o “como” (já tínhamos o “porquê”). Não foi fácil! Só encontramos um pequeno livro do Jean-Claude Rodet que nos foi precioso. Obrigada Jean-Claude. Assim iniciamos a aprendizagem! (...)
- Ângelo Rocha e a Manuela Santos
Primavera-Verão de 1985 - formação teórica e prática em Agricultura Biológica.
(texto integral)
O Jean-Claude Rodet e a Francine viviam na Cumeira de Cima (Aljubarrota, Alcobaça). A Agrobio tinha acabado de ser criada e o casal Rodet era o “motor” da associação. Fomos visitá-los com a disponibilidade para ajudar no que fosse preciso e acabamos por ficar meio ano (antes tínhamos estado em França a trabalhar em quintas de agricultura biológica).
A correspondência diária era imensa: havia uma enorme cesta de verga para receber as cartas e as publicações. O Jean-Claude fazia questão de responder a todos os pedidos de informação. Como não falavam nem escreviam em português, a nossa principal tarefa era a tradução dos rascunhos do francês para o português, dactilografar numa máquina de escrever, fazer os envelopes e preparar tudo para seguir pelo correio. O Jean-Claude ficava às vezes até altas horas a escrever e no dia seguinte tínhamos uma pilha de trabalho de tradução. Acompanhar as visitas que fazia a quintas e a empresas era fascinante: durante a viagem falávamos muito sobre todas as questões relacionadas com a agricultura biológica e as visitas eram autênticas aulas práticas. Depois, de regresso à Cumeira, o Jean-Claude escrevia relatórios pormenorizados com propostas de solução para as questões levantadas durante as visitas - mais trabalho de tradução (e formação).
Um dos empreendimentos que o Jean-Claude decidiu concretizar foi a edição de dezenas de fichas técnicas informativas sobre aspectos da prática da agricultura biológica: mais traduções e dactilografia (e formação é claro). A biblioteca dos Rodet era fantástica pelo que havia muitos livros para ler, além das muitas revistas que recebia.
No terreno junto a sua casa começamos a nossa primeira horta bio com a orientação dos Rodet: foi uma experiência muito enriquecedora. Iniciamos também uma actividade de recolha de plantas aromáticas e medicinais, secagem e preparação para venda em saquinhos de celofane.
Aprendemos também imenso sobre alimentação e culinária, sobre a saúde e os tratamentos naturais e sobre diversos trabalhos manuais. A Francine é uma excelente cozinheira e apreciamos imensas receitas suas nas refeições que fazíamos em conjunto. Inesquecíveis as viagens a Lisboa (pela N1 pois não havia autoestrada e que demoravam horas) para reuniões da Agrobio com a participação do Dr. Furtado Mateus (Presidente) e dos restantes membros e sócios; e também os envios de correspondência para os sócios da associação (via CTT é claro) com o serão preenchido a escrever as moradas dos envelopes à mão! Também recordamos alguns visitantes ilustres como, por exemplo, a vinda do Zeca Afonso…
Foram uns meses que marcaram as nossas vidas!